Refluxo gastroesofágico: tão comum quanto torturante.
Postada em: 28/05/2011
Fonte: Fonte: CORREIO BRASILIENSE – DF

O refluxo gastroesofágico pode ser uma manifestação fisiológica esporádica decorrente da ingestão de alimentos gordurosos, muito condimentados ou gasosos. Quem já experimentou a azia e a queimação depois de exagerar na feijoada ou nas bebidas alcoólicas conhece bem o desconforto. Para cerca de 20% da população, porém, o mal é crônico e passa a atingir as mucosas do esôfago, o pulmão, a traqueia e a faringe, provocando sintomas que comprometem bastante a qualidade de vida. Dos problemas que levam os brasileiros a procurarem especialistas nas disfunções do aparelho digestivo, a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é a mais comum e responde por pelo menos 60% dos atendimentos médicos da especialidade. A DRGE é causada pelo retorno do conteúdo intragástrico do estômago para o esôfago. Essa movimentação é reflexo do mau funcionamento da válvula que divide os dois órgãos. Denominado esfíncter inferior, esse acessório abre-se para o alimento chegar ao estômago e fecha-se fortemente para que o ácido que ajuda na digestão não faça o caminho contrário. De acordo como o gastroenterologista Eduardo Berger, médico do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, a doença não escolhe raça, sexo ou idade e a predisposição genética é um componente importante para o seu desenvolvimento. O especialista explica que a DRGE é também a patologia do aparelho digestivo com maior diversidade de manifestações, sendo capaz de gerar desde desgaste acelerado do esmalte dentário, mau hálito e sensação de boca amarga até pigarro, tosse seca, engasgo, rouquidão, agravamento de laringite, faringite e pneumonia. “É comum que a fibrose pulmonar diagnosticada na velhice seja consequência do refluxo gastroesofágico sofrido pelo paciente desde a infância, sem que ele se desse conta”, alerta. Arrotos, azia e queimação são apenas os sintomas mais comuns. É claro que nem todas as vítimas da DRGE sentem tamanha variedade de sintomas, mas isso, ainda segundo Berger, demonstra a necessidade de médicos de outras áreas estarem atentos aos sinais da doença, principalmente os otorrinolaringologistas, os cardiologistas e os pediatras. Depois de confirmado o diagnóstico por exames como a endoscopia, o esofagograma e a pHmetria, o tratamento pode ser medicamentoso ou cirúrgico, dependendo da gravidade do caso. “A endoscopia falha na indicação do problema em 50% dos pacientes. Por isso, o especialista deve se valer de uma conversa detalhada com o doente e, se for o caso, de outros exames que confirmem ou descartem a doença”, pondera o gastroenterologista. A mucosa do esôfago dos que sofrem com o refluxo gastroesofágico apresenta queimaduras e lesões devido à acidez do conteúdo intragástrico. A laringe também apresenta inflamação característica, que sugere a DRGE. A hérnia de hiato, protusão do estômago no esôfago, é, ainda, uma causa do refluxo, pois impede o fechamento do esfíncter. Obesidade Em alguns casos, é possível controlar os danos com dieta adequada e medicamentos inibidores de ácidos. A obesidade e a constipação intestinal são fatores de risco, tanto que a incidência da doença do refluxo aumenta à medida que a quantidade de obesos no país cresce. A gastroenterologista Soraya Braga acrescenta que, em algumas situações, o paciente já está com a doença em estágio avançado, mas não esboça os sintomas inflamatórios. “Além do sobrepeso, os erros alimentares, como excesso de café, chá verde e preto ou de alho e cebola, também relaxam o esfíncter, assim como o cigarro”, aponta a médica. Por isso, evitar comidas gordurosas, frituras, bebidas gasosas, cafeína e tabaco é fundamental no tratamento. É maléfico também se deitar logo após as refeições. “Os pacientes que recebem o diagnóstico em uma fase aguda são tratados com medicamentos de ataque à doença. Como é um problema crônico, depois de estabilizada, a DRGE pode ser controlada com drogas de manutenção e bons hábitos alimentares”, diz. O dentista Hudson Silas, 29 anos, sabe bem como a doença do refluxo gastroesofágico pode ser inconveniente. Embora conhecesse a mazela — o pai e o irmão também sofrem com ela — Hudson desconhecia que a patologia fosse tratável. Desde a juventude, ele sente azia e padece constantemente com tosse e vômitos. Para completar, a hérnia de hiato agrava a situação. “Comecei o tratamento medicamentoso recentemente. Vou ter que me adequar, sei que não tem cura. Mudarei minha alimentação, evitando gordura e bebidas gasosas, e terei que maneirar na cervejinha se quiser evitar a cirurgia”, revela. O procedimento cirúrgico é realmente o último recurso terapêutico. O cirurgião-geral Artur David esclarece que ela é a alternativa quando o paciente apresenta complicações, como úlceras e displasias com possibilidade de malignização. Atualmente, a intervenção é feita por videolaparoscopia. Antigamente, era preciso abrir o tórax. “O objetivo é melhorar a contratura do esfíncter. O índice de sucesso é muito bom, mas o paciente deve fazer a sua parte, observando a questão da boa alimentação e o controle do peso para evitar o retorno da doença”, reforça o especialista do Hospital Anchieta. O pós-operatório demanda alimentação pastosa por cerca de duas semanas. O advogado Rafael Melo Carneiro, 28 anos, tentou por mais de cinco anos tratar a DRGE com medicamentos. Quando o desconforto da azia e da queimação passou a comprometer demais sua qualidade de vida, a cirurgia foi indicada. “Nos exames preparatórios, descobri uma outra alteração no esôfago, que impediu que o procedimento remediasse totalmente o refluxo. Ainda assim, valeu a pena. Tive uma melhora de 80%. Somente quando exagero na fritura e nas bebidas gasosas sinto o incômodo”, confessa.

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