O sono envelhece
Postada em: 24/04/2010
Fonte: CORREIO BRASILIENSE – DF

Obesidade, aumento da pressão sanguínea, fadiga, alteração do humor, problemas de memória. É grande o rol de malefícios associados à falta de uma longa noite de sono. Chega a dar medo acordar antes do horário programado no despertador. Dormir menos do que o considerado “normal”, porém, não é um distúrbio do sono, mas uma consequência natural do envelhecimento. Quem garante é o pesquisador Derk-Jan Dijik, diretor do Centro de Pesquisas do Sono da Inglaterra. Em um estudo publicado recentemente no periódico especializado Sleep, o professor da Universidade de Surrey, na Inglaterra, mostrou que, à medida que os anos passam, são necessárias menos horas de sono para o bom funcionamento do organismo.
 
Nos Estados Unidos e na Inglaterra, 33% dos indivíduos com mais de 65 anos são medicados com soníferos, e pesquisas recentes têm mostrado que, nessa faixa etária, os efeitos adversos das substâncias presentes nos comprimidos são maiores que os benefícios adquiridos. Preocupado com o excesso de remédios prescritos aos idosos, Dijik, um especialista na fisiologia do sono, resolveu investigar a média de tempo que pessoas saudáveis passam na cama, de acordo com a idade.
 
Os resultados mostram que as oito horas de sono — tidas como ideais — tendem a diminuir com o envelhecimento. Dijik e sua equipe analisaram 110 voluntários saudáveis, sem queixas de insônia, divididos em três grupos: adultos jovens, pessoas de meia idade e idosos. Enquanto as pessoas entre 20 e 30 anos dormiram, em média, por 435,5 minutos, as de 40 a 55 ficaram adormecidas por 409,9 minutos. Já na faixa dos 66 a 83 anos, a média de sono foi de 390,4 minutos. Portanto, enquanto os mais jovens dormem 7h23 horas por noite, os mais velhos necessitam apenas de 6h51 de repouso. Mesmo assim, os idosos que participaram do estudo não se queixavam de se sentirem sonolentos ao longo do dia.
 
A quantidade de vezes que se desperta e o tempo que se passa acordado antes de voltar a dormir depois da fase inicial do sono também aumentam com a idade, constataram os pesquisadores. Convidados a se deitar em uma posição confortável e tentar dormir, os jovens adultos levaram cerca de 8,7 minutos para adormecer. No grupo intermediário, o intervalo foi de 11,7 minutos. Já os idosos precisaram de 14,2 minutos até cair no sono. Embora o número de vezes em que acordaram durante a noite tenha sido praticamente igual — 2,2 (jovens) e 2,4 (idosos) —, os participantes entre 20 e 30 anos demoraram 14,4 minutos para voltar a dormir, enquanto que os mais velhos precisaram de quase uma hora para adormecer novamente.
 
“Frequentemente, afirma-se que a prevalência da insônia em pessoas mais velhas está relacionada a problemas de saúde físicos e mentais. Porém, a diminuição do sono também pode estar ligada ao próprio envelhecimento”, disse Dijik ao Correio. “Agora, se você me pergunta o motivo, a resposta é simples: simplesmente não sabemos”, admite.
 
Bebês e sonhos
 
Neurologista do Instituto de Medicina e Sono de Campinas e Piracicaba, Sigueo Yonekura lembra que, ao nascer, o bebê dorme, em média, 18 horas. Uma criança pequena fica entre 9h e 10h na cama, enquanto um adulto passa 6h30 dormindo. “Pessoas de mais idade dormem cerca de 6h30. À medida que envelhecemos, o sono também envelhece. Além disso, os sonhos diminuem. Um recém-nascido sonha 50% do tempo em que dorme. Já os idosos sonham apenas 10% do tempo”, explica.
 
Segundo o especialista, essa pode ser uma boa explicação para o fato de os mais velhos precisarem dormir menos. “O sonho está relacionado ao armazenamento de memória, algo que as crianças precisam mais por causa do aprendizado. Os idosos não precisam tanto mais disso”, diz. Yonekura concorda com Derk-Jan Dijik e afirma que não se pode considerar distúrbio do sono o comportamento dos mais velhos.
 
Aos 78 anos, a dona de casa e atriz amadora Maria Apparecida Alevato Machado conta que está sempre bem disposta durante o dia, mesmo quando dorme tarde e acorda cedo. “Às 6h, preciso tomar um remédio em jejum, então me condicionei a acordar nessa hora. Depois, durmo de novo e acordo entre as 7h e as 8h”, diz. Ela lembra que desde a juventude tem o hábito de madrugar: “Meu irmão ia cedo para o Exército, e às 4h eu já levantava para fazer o almoço dele”.
 
Dona Mariazinha, como gosta de ser chamada, conta que só cochila vendo televisão se está muito tarde e o filme não é interessante. “Mas se me interessar e acabar só às 2h, fico acordada.” Durante o dia, ela não costuma acompanhar o marido na sesta depois do almoço. Embora desperte muitas vezes à noite, dona Mariazinha diz que não se sente incomodada nem indisposta. Contrariando as estatísticas da ciência, ela afirma que sonha bastante. “Se eu acordar cinco vezes, tenho cinco sonhos. E adoro sonhar.”
 
Atenção
 
Para o neurologista Ricardo Teixeira, diretor do Instituto do Cérebro de Brasília, o sono curto não prejudica os idosos, mas o contrário ocorre. “Existem linhas de pesquisa muito fortes no sentido de que dormir muito nessa idade pode ser um sinal de problema de saúde. O excesso de sono é um marcador, que merece muito cuidado. Pode ser uma pista de um transtorno sistêmico”, diz. “A maioria da população dorme entre sete e oito horas por noite, mas depois dos 40, 50 anos, esse tempo cai. Se depois sobe, uma das hipóteses é que há uma doença escondida”, afirma.
 
De acordo com o médico, um estudo populacional conduzido em 2007 nos Estados Unidos indicou que pessoas que dormem menos de sete horas e meia se dedicam mais ao lazer e ao relaxamento. “Isso reflete uma disposição maior para a vida. O idoso que dorme mais de oito horas e meia não está tão ativo mentalmente”, diz Ricardo Teixeira. O excesso de sono na velhice, afirma o neurologista, já foi associado por cientistas inclusive como um fator de risco para o desenvolvimento de doenças degenerativas. Para ele, pessoas mais velhas que dormem pouco não devem ser medicadas. “Não faz sentido provocar sono em idosos.”
 
A maioria da população dorme entre sete e oito horas por noite, mas depois dos 40, 50 anos, esse tempo cai. Se depois sobe, uma das hipóteses é que há uma doença escondida”
 
Ricardo Teixeira, diretor do Instituto do Cérebro de Brasília


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