Medicina muda enfoque sobre a dor
Postada em: 06/10/2008
Fonte: Correio Popular - SP 09/06/2008

“Uma experiência sensitiva e emocional desagradável.” Essa é a definição de dor segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor. Considerada o quinto sinal vital do organismo, ao lado de temperatura, pressão arterial e freqüências cardíaca e respiratória, a dor é uma preocupação constante dos profissionais de saúde. Na luta contra esse fantasma que assombra a humanidade, surgem a cada dia novas terapias e alternativas para o alívio da dor. Além dos avanços da medicina e da indústria farmacêutica, mudou também o olhar dos profissionais em relação ao problema. Mais que apenas focar a cura da doença, os médicos buscam mecanismos para evitar a dor e impedir que uma sensação aguda se torne crônica.

A dona de casa Maria Betin, de 58 anos, integra o grupo dos que lidam diariamente com a dor. “Aprendi a conviver, levar meio na brincadeira. Se ficar focada na dor, deixo de viver. Tento ignorar e tocar a vida”, diz Maria, que há mais de 20 anos sofre com a fibromialgia — doença que se caracteriza por dor generalizada e sem causa conhecida. “Também tenho artrite, reumatismo, fiz duas cirurgias de coluna e, recentemente, descobri ter lupus. Mas, não me deixo abater. Tenho dores, mas também tenho alegria de viver”, ensina Maria. Ela toma relaxante muscular para ajudar a dormir, e antiinflamatório quando a dor é muito intensa. Também faz exercícios e alongamento para amenizar a sensação.

Segundo o anestesista e acupunturista especializado em terapia da dor Alexandre Lassance, a questão é motivo de atenção especial. Hoje, a maioria dos hospitais mantém equipes específicas. Esse é, inclusive, um dos fatores levados em conta nos processos de qualificação dos hospitais. “Hoje, os maiores hospitais do mundo são qualificados por órgãos de acreditação internacionais de acordo com seus serviços de atenção à dor”, diz Lassance, responsável pelo serviço de atenção à dor do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti.

Dados da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED) indicam que a dor afeta pelo menos 30% da população em algum momento de sua vida e, em 10% a 40% dos casos dura mais que um dia. No mundo, a incidência da dor crônica varia de 7% a 40% da população, sendo que de 50% a 60% dos afetados ficam parcial ou totalmente incapacitados. Lassance afirma ainda que a situação se agrava com a idade. Acima dos 60 anos, pelo menos 60% das pessoas têm queixa de alguma dor.

Lassance explica que os casos de dor aguda — de curta duração e decorrente de lesões — se concentram nos pronto-socorros ou pós-operatório e cabe ao médico emergencista ou anestesista amenizar o quadro. “O ideal é fazer avaliação pré-operatória em casos de problemas clínicos ou cirurgias de grande porte”, aponta. Nesses casos, antes do procedimento, pode ser feita a analgesia, técnica de tratamento para dor aplicada antes da anestesia, para prevenir complicações no pós-operatório.

O especialista diz que a dor aguda não tem como ser prevenida, uma vez que decorre de lesão ou enfermidade. Já a crônica pode ser identificada e tratada. Mesmo que não tenha cura, a dor crônica pode ser amenizada com abordagens variadas, medicamentos, intervenções cirúrgicas e técnicas alternativas (leia texto nesta página). “Não existe dor imbatível”, afirma o médico. Segundo ele, para saber se a dor é crônica há que observar o tempo de duração, a freqüência e a forma (pontada, agulhada, latejamento, aperto, queimação). Dor diária e da mesma forma, persistente por mais de três meses, é crônica, assim como a que ocorre algumas vezes na semana por mais de seis meses. “Nesses casos, é importante procurar o médico e buscar tratamento”, aconselha Lassance.

Ele defende que a sociedade deve participar e buscar alternativas para combater a dor. “É importante criar associações de vítimas de dor crônica. É um espaço para os pacientes se reunirem, conversarem, trocarem experiências e buscar soluções”, avalia. Nesse sentido, em Campinas foi formado um grupo de pesquisa, educação e assistência — o Instituto de Alívio da Dor. O objetivo, segundo Lassance, é divulgar conhecimento sobre o assunto e buscar melhorias nas formas de abordagem. “Nossa meta é buscar alternativas para amenizar. Ninguém deve ser obrigado a conviver com a dor”, resume o especialista.

Conviver com o problema é um exercício diário

Como Maria Betin, que sofre de fibromialgia, José Roberto Samora, de 52 anos, também teve que aprender a conviver e buscar formas de amenizar uma dor crônica: enxaqueca. “No início era pior, a dor era mais intensa. Ao longo dos anos, ela foi ficando mais leve. Mas tenho dores de cabeça, no mínimo, duas ou três vezes por semana”, diz Samora, que nem lembra mais há quanto tempo sofre com o problema. “Faz uns 30 ou 35 anos que comecei a ter enxaqueca. Fiz todos os exames e consultas médicas possíveis, até angiografia cerebral, mas não descobri nada. Sabe-se que o que causa a enxaqueca é o aumento da pressão nos vasos sangüíneos, mas não o que provoca esse aumento”, lamenta. Segundo Samora, lidar com a dor crônica é um exercício diário. “É preciso aprender a conviver, senão torna-se um fator limitante, e a vida não pode parar”, ensina. Quando a dor surge, ele apela para os analgésicos. Também eliminou as bebidas alcoólicas. “Uma cerveja é suficiente para a dor surgir.” Não tão intensa, mas não menos incômoda, é a sinusite crônica, que persegue o economista Laerte Martins há pelo menos 15 anos. Ele combate a dor com medicamentos. “Os médicos disseram que há cirurgia para curar sinusite. Mas, como alertaram que não é uma medida definitiva e que o problema pode voltar, não me animei. Apelo mesmo para as drogas específicas”, diz. O jornalista, escritor e ator Jehovah Braz do Amaral, de 87 anos, nunca teve dor crônica, mas recentemente enfrentou uma crise de cólica biliar, mais conhecida como pedra na vesícula, e precisou de cirurgia para retirada de nove pedras. Ele conta que já operou do coração, próstata e intestino, mas nunca havia sentido dor tão intensa. “Nas outras cirurgias, senti dor, mas leve. Agora, foi uma dor muito forte em toda a região abdominal. Nem dava para identificar onde doía”, relembra. Mas, no seu caso, a dor foi embora junto com as pedras. (DM/AAN)

Campinas terá centro especializado

Um local específico para aliviar a dor e oferecer tratamento digno a pacientes em estado terminal. Essa é a meta do Centro de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos Lo Tedhal, vinculado à Associação Maria Porta do Céu, o primeiro do gênero no Brasil, em construção em Campinas no Jardim Santa Genebra. Segundo sua coordenadora, a médica Suzel Frem Bourgerie, a idéia do centro surgiu após a visita de uma equipe brasileira, em 1988, a alguns centros de cuidados paliativos na Europa, como o Hospital de La Cité Universitaire de Paris. “O serviço médico à comunidade naquele local nos tocou profundamente, não só em relação à qualidade profissional, mas do ponto de vista do respeito ao ser humano”, explica a médica.

De volta ao Brasil, o grupo começou a estruturar a criação do centro. O hospital, que começou a ser construído em 2005 e tem inauguração prevista para o final deste ano, terá 32 suítes, com possibilidade de se transformar em 64 leitos. “Será o maior do mundo”, afirma Suzel, destacando que o objetivo é “trocar o sofrimento pela esperança”. “Será uma clínica onde os doentes poderão viver seus últimos dias com qualidade de vida, paz e dignidade”, reforça.

Suze explica que “lo tedhal” vem do aramaico e significa “não temas”. Segundo a médica, no Brasil, existem hospitais que atendem doentes sem perspectivas de cura, mas a prática de cuidados paliativos, antiga no Exterior, é pouco disseminada no Brasil. Ela cita que há necessidade de centros especiais semelhantes aos hospices da Franca, locais onde as pessoas vão para morrer em paz, em ambiente tranqüilo e espiritual, cercadas de tecnologias para alívio da dor e capazes de proporcionar o maior conforto possível aos pacientes e familiares.

O local atenderá pacientes com câncer e também com doenças neurológicas degenerativas e progressivas como o Alzheimer. Vai atender pacientes de convênios e do Sistema Único de Saúde (SUS).



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